quinta-feira, 6 de março de 2014

Com as unhas sujas de terra: retratos de um encontro nada qualquer

Gostaria de começar essa breve crônica solicitando ao leitor que pare um instante e olhe para suas mãos. Há terra sob suas unhas? Nas minhas sim. Houve terra também sob as unhas de muitos dos meus amigos. Suja as unhas com terra aquela pessoa que se educa na etiqueta da sutileza e do cuidado, do ouvir silencioso e do caminhar pela cidade ou pela mata. Ganha terra sob as unhas aqueles que arriscam-se a viver aquém dos centros e aquém das margens: a serem livres.

A maior parte das pessoas que conheci e (re)encontrei durante o Encontro Parahybano de Neopaganismo de 2014 tinham terras sob as unhas. Detalhe capcioso e que indica algumas coisas sobre a forma como conseguimos misteriosa e magicamente congregar cerca de 30 pessoas numa casa de porte médio. Morando na cidade ou no campo, trabalhando com mídias sociais, tecnologia, com plantio ou mesmo não trabalhando todas essas pessoas trazem impressas nos seus corpos a marca da simplicidade e do companheirismo. Sem dúvida ser anfitrião de pessoas tão ilustres não pode ser entendido como nada menos que um prazer. Ter terra sob as unhas não significa de modo algum estar sujo, entendamos bem. trata-se de uma dedicação singela, uma árdua tarefa em um meio no qual estamos cada vez mais rodeados de superficialidade. Nesse ínterim é bom saber que ainda há gente que se preocupa em cavar buracos, plantar árvores, florear jardins, caminhar descalço, conversar em plena madrugada: tudo pelo simples prazer da companhia, da vivência em família, pelo desejo de estar entre amigos. 

É nesse tipo de momento que as distâncias tomam medidas diferentes: infinitas e reduzidas ao mesmo tempo. Viemos de muitos lugares e em breve retornamos para esses lugares ou outras paragens - mas o que importa é encontrar-se e ser encontrado, estar entre semelhantes e diferentes. Estar ali, viver isso e partilhar da inestimável alegria de não ser um só. É isso que tenho aprendido; sejam neófitos ou sacerdotes e sacerdotisas de larga experiência,  o período de armistício que o Encontro Parahybano de Neopaganismo tem conseguido evocar nos últimos anos em que tenho participado dele são de extrema importância para mim, pois dão fôlego novo para quem há muito cambaleia entre a solidão e a exigência. 

Saindo da reflexão pessoa e partindo para o relato, é possível a um rápido olhar, perceber a existência de temas ou núcleos comuns nesse sétimo encontro: o mundo feérico, a preocupação com a relação entre religiões, família e sociedades, o exercício devocional cotidiano, a arte. As atividades do primeiro dia buscaram introduzir os elementos que norteariam os debates nos dias seguintes: o mundo das fadas a partir de várias culturas, a experiência pagã e politeístas espalhada entre os diversos representantes de estados nordestinos, a vida cotidiana e os enfrentamentos, a beleza e a arte. Esses debates foram sendo aprofundados em um encontro que buscou - em comemoração aos seus sete anos de existência - promover debates que buscassem aliar, além da experiência vivenciada, uma discussão sobre o atual contexto das religiões e práticas não-cristãs: fadas, literatura, métodos divinatórios, famílias, organização social e tribalismo, entre outros. Talvez não seja necessário mencionar ou repetir aqui a grandeza de tantos debates e reflexões. Ao leitor, uma singela amostra de tantos momentos e diálogos:


Ainda que repleto de falhas, lacunas e dificuldades, acredito que o Encontro Parahybano de Neopaganismo não é mais um encontro qualquer. Tem seu lugar dentro de uma história tantas vezes negligenciada dentro das reflexões sobre os movimentos religiosos brasileiros. Trata-se de sete anos de história até hoje, sete anos mobilizando pessoas, provando discussões, mostrando e se deixando mostrar. Quiçá seja hora de honrarmos a terra sob nossas unhas e perceber que o que há de mais valioso em nós é a beleza que se faz silenciosa e viva, como uma floresta que permanece unida, raiz a raiz, galho a galho. Olhar de cima oferece uma simples ilusão de unidade e uniformidade; olhar de baixo uma falsa impressão de distanciamento e separação: uma floresta se faz entender pela profundidade das raízes de suas árvores que mesmo individualmente, conectam-se umas as outras na profundeza do seio terrestre.

A todas que participaram desse momento, meu sincero agradecimento. Que possamos nos reencontrar em breve, pois a chama permanece acesa. Até breve.